Rótulo da cachaça "Engenho Açoriano", xilogravura, por volta de 1700

A xilogravura adentrou o Brasil através da colonização portuguesa. (Além desta técnica estar intimamente ligada à tradição cordelista brasileira, durante muito tempo a xilo foi também utilizada no Brasil para a confecção dos primeiros rótulos de cachaça, sabonetes e doces). Os primeiros poetas populares que narravam as sagas da literatura de cordel começaram a surgir a partir de 1750. Analfabetos em sua grande maioria, eles recitavam suas histórias nas feiras ou nas praças, às vezes, acompanhadas por música de violas, muito similar à tradição européia.

 
"Os Dez réis do Governo", folheto raro do poeta Leandro Gomes de Barros, 1907

Os primeiros cordéis brasileiros eram publicações de folhetos de versos de no máximo oito páginas, impressas em papel barato. Este tipo de publicação popularizou-se no período da inserção da indústria gráfica no sertão, isso por volta da década de 1960-70. A fotografia não conseguia penetrar no imaginário sertanejo e isso fez a xilogravura reinventar-se, transformando-se na técnica que melhor retratava o fantástico. A imagem acima refere-se a um folheto muito raro datado do início do século 20. No texto, seu autor Leandro Gomes de Barros (considerado por muitos com o pioneiro do cordel no Brasil) abordava a abusiva cobrança dos impostos durante a República Velha.

 
"A Perna Cabeluda - Prenúncios da Besta-Fera", de Guaipuan Vieira

 
"O Encontro de Lampião com a Negra dum Peito Só", de José Costa Leite

"Um Mosquito no Motel", de José Costa Leite

Devido ao desenvolvimento de técnicas de impressão mais modernas, assim como aconteceu na Europa, a xilogravura aplicada ao cordel começou a perder terreno no Brasil. Nas artes plásticas, os gravuristas brasileiros Lasar Segall e Osvaldo Goeldi foram os pilares iniciais que desenvolveram a xilogravura artística. Através de pesquisas sobre o cordel (sua origem e, principalmente, sua importância no contexto sociocultural brasileiro) diversos estudiosos e folcloristas como Câmara Cascudo trouxeram um olhar mais atento sobre a literatura cordelista. A partir de então, diversos outros gravuristas surgiram, como Gilvan Samico, Carlos Scliar, J. Borges, José Lourenço, Mestre Noza, Abraão Batista e José Costa Leite. Em cem anos, o Brasil publicou cerca de 20.000 folhetos de cordel, embora em pequenas tiragens (entre 100 e 200 exemplares cada).

 
"Abandono", xilogravura de Oswaldo Goeldi, 1937

"Feriado", xilogravura de Lasar Segall, 1920

Na rica produção cordelista nordestina há uma grande variedade de temas, que refletem a vivência popular, desde problemas atuais, além de contos e lendas medievais. Um bom exemplo do sincretismo cultural presente na essência da literatura de cordel brasileira é a música Pavão Mysteriozo, do cantor e compositor cearense Ednardo, que tem como referência a obra cordelista O Romance do Pavão Misterioso, escrita ao final dos anos 1920 por José Camelo de Melo Rezende. Em 1976, a música de Ednardo (vídeo abaixo) foi trilha sonora da novela Saramandaia, de Dias Gomes, veiculada pela Rede Globo. A obra em cordel de Pavão Misterioso foi inspirada no conto popular do Oriente Médio Mil e Uma Noites.

 
"As Mil e Uma Noites" - Scheherazade e Xeriar (Shariar)

"O Pavão Misterioso em Quadrinhos", de José Camelo; ilustrações de Sérgio Lima, Editora Luzeiro, 2010

Mais de uma década após o sucesso de "Saramandaia", foi fundada em 1988 a ABLC (Academia Brasileira de Literatura de Cordel), no Rio de Janeiro. O objetivo era reunir os expoentes deste gênero no Brasil. O poeta Gonçalo Ferreira da Silva capitaneou a fundação no Rio que, com apoio da Federação das Academias de Letras no Brasil, culminou com a aquisição de sede própria.

 
"Mudança de Sertanejo", de J. Borges, 1999

 
"O devorador de estrelas", de Samico, 1999

O projeto História do Brasil em Cordel (EDUSP, 1998) reuniu mais de 300 folhetos que narram em Cordel a história de nosso país. O autor Mark Curran traz uma reflexão sobre a temática cordelista, sua história, estrutura formal e seus principais autores. Tendo a literatura de cordel do Brasil como o reflexo dos anseios e sonhos do povo, vemos que a adoção da xilogravura como técnica de impressão destes folhetos no Brasil não se deu apenas por sua relativa facilidade de execução, como também por ser esta a técnica que permitiu reinventar epopéias, criando universos fantásticos que até hoje ratificam nossa fusão cultural e riqueza do folclore popular.

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